Escola Secundária José Falcão, Coimbra

José Falcão

O patrono da escola.


 José Falcão Como é timbre dos falcões!...

Todo o homem não é só isto, ou só aquilo… Todo o homem é um ser complexo: mais ou menos multifacetado, mas ou menos “polifónico”… José Falcão, na sua existência de 53 anos – nasceu em Miranda do Corvo (em 1841) e morreu em Coimbra (em 1893) –, notabilizou-se em vários domínios, celebrizou-se em diversos campos. Teve tempo para muito realizar e para muito fazer. Foi homem de altos e inspirados voos (como é timbre dos falcões!...). Não sabemos que mais enfatizar: se o grande cientista que tanto se distinguiu como matemático e astrónomo; se o notável professor, lente de Matemática na Universidade de Coimbra; se o pedagogo e educador que tanto se preocupou com a problemática da educação; se o cidadão empenhado que tão longe levou a sua militância política e que tão esclarecida e devotadamente a exerceu. Juntemos-lhe ainda o jornalista e o polemista. Ele é o homem de ciência e o homem de convicções. Esclarecido e clarividente. Como poucos… Para Fernando Catroga, teria sido José Falcão, e não Teófilo Braga, a introduzir, na cidade de Coimbra, o “positivismo” em Portugal. Espírito liberal, cedo se apaixonou pelas ideias e pelos ideais republicanos. Depois do “estremeção” nacional provocado pelo Ultimatum (1890) e da malograda revolta republicana do 31 de Janeiro (de 1891), dedicou grande atividade, apesar de gravemente doente, à reorganização e desenvolvimento do Partido Republicano. Por esses tempos, muitos portugueses, desiludidos com a monarquia, engrossavam as fileiras do Partido e outros, com ideias radicais, refluíam para as águas mais mansas do republicanismo. José Falcão era, quando a morte chegou (14-01-1893), a figura maior – mais respeitada e mais ilustre –, do Partido Republicano no Norte do país.





[Augusto José Monteiro

Ex-Professor da Escola Secundária José Falcão

Membro do CEIS 20 – Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX]

Celebrado por Guerra Junqueiro…

Na sua casa de Coimbra foi colocada uma lápide. Publicou-se também um livro (em 1894): Memória a José Falcão (que podemos consultar na biblioteca da nossa escola). Inclui os discursos proferidos no funeral, os “artigos necrológicos” (que saíram nos jornais) e um prefácio de Guerra Junqueiro. O que foi dito e escrito! Como foi chorado! Como este homem era admirado e considerado! Como foi cantado e celebrado! A dimensão e a grandeza que lhe eram atribuídas! A projeção que tinha! Chega a ser dito “o primeiro português” do século XIX (p. 221).

Destacamos as palavras de Guerra Junqueiro – pelo que dizem e pela maneira como o dizem – que, tão doída e compungidamente, nos falam do Portugal de então. (O escrito intitula-se Em vez de prefácio). Junqueiro faz, com grande lucidez e ironia, uma apreciação trágica do país. No seu balanço negro, assevera que a redenção só poderá vir do republicanismo: “o republicanismo não é aqui uma fórmula de direito público; é a fórmula extrema de salvação pública […] Republicano e patriota tornaram-se sinónimos. Hoje quem diz pátria, diz república. […] Não de um partido, da nação. Presidente o melhor. […] Tal movimento cívico, espiritualizado e grande, requeria pelo menos um homem. Existe? Existiu: José Falcão, […] Ele bem poderia ter sido o timoneiro da Pátria decadente, o messias, “baldadamente” esperado, que a nação dilacerada tanto aguardava!

E Junqueiro prossegue: “Grande homem! […] Dir-se-ia que na hora suprema toda a alma da pátria naquela alma se ajuntara. Em José Falcão a inteligência era robusta, a ciência enorme, mas a grandeza moral incomparável e soberana. Dizia o que pensava, fazia o que sentia. Um justo. […].

Egoísta intelectual? Nunca. Ânimo generoso, os problemas sociais cativaram-no. […]. Mas o sentimento da pátria com tal furor e febre lhe girava no sangue, tão inato e profundo lhe ardia lá dentro, que aquele homem de ideias instantaneamente se volveu, como por milagre, em homem de ação. […] Lembrava ainda o Condestável. Como ele, espírito heróico, braço de ferro para o comando, boca de santo para a piedade. […].

Pressentindo a morte, nunca desanimou. Pois a doença da pátria não era ainda bem mais grave? Por ela, sim, desejaria viver, desejaria morrer.”

A Cartilha do Povo

De entre a sua numerosa e rica bibliografia, destacamos a Cartilha do Povo, publicada em 1884 (em Coimbra), sem o nome do autor. O livro, de educação cívica, moral, política e patriótica, foi fundamental para a causa republicana. É muito o que o republicanismo deve a José Falcão – não apenas pelo seu exemplo e pela sua militância, mas também por esta obra pedagógica. “Enfileirou entre aqueles que preconizavam a transformação total da sociedade portuguesa pelo exemplo irrepreensível dos seus dirigentes e por meio de grandes reformas que libertassem o povo da ignorância e da superstição, lhe elevassem o nível de vida e o tornassem consciente dos seus direitos e responsável dos seus deveres; para tal fim redigiu, em linguagem simples e acessível a todas as inteligências, uma modelar Cartilha do Povo”. (in Dic. Hist. Port.). Foi um livro que, num país de analfabetos – 76% em 1890 e ainda 70% quando se implantou a República –, se transformou num autêntico “ best-seller” (como se diz em bom português!) O livro, cartilha e “bíblia”, foi um êxito rotundo. (A ele voltaremos numa próxima oportunidade). Diga-se, entre parêntesis, que conheceu, provavelmente, uma difusão e uma divulgação semelhantes às das popularíssimas obras ficcionais de A Rosa do Adro (1870) e de Eva (1870). A primeira, a despeito do seu êxito – que se prolongou pelo século XX –, não tornou conhecido o seu autor, Manuel Maria Rodrigues. Eva é um romance de Santos Nazaré que também teve um impressionante êxito. O que não impede um quase total desconhecimento do seu criador...

Logo no ano em que a Cartilha… foi publicada (1884), teve 4 edições, com um total de 30.000 exemplares (1.ª: 3.000; 2.ª: 7.000; 3.ª 10.000; 4.ª: 10.000); no ano seguinte, nova edição com mais 5.000 livros; depois da (abortada) revolta de 1891, fez-se uma outra publicação de 20.000. Ter-se-ia chegado ao impressionante número de 55.000 exemplares… A Cartilha… destinava-se, sobretudo, a esse povo que é dito, no “balanço patriótico” de Guerra Junqueiro, logo à cabeça do texto, como “um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia de um coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem de onde vem, nem onde está, nem para onde vai…”

Nunca poderemos saber ao certo como se processou a recepção do livro, como foi utilizado, como se divulgou e difundiu, como “tocou” os espíritos, que efeitos produziu naqueles que o leram ou que dele tiveram conhecimento. O que sabemos é que, em 5 de Outubro de 1910, quando é proclamada a República, José Falcão – o cidadão que por ela tanto tinha lutado e que tão notável influência política, intelectual e moral exerceu no seu tempo – não estava lá. Infelizmente…

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